sexta-feira, 20 de julho de 2012

Kung Fu, Newton e stand-up comedy?

Na quarta-feira fiz a quinta sessão, segunda já com a "turma" formada. Foi uma sessão bem cheia, com o acompanhamento de vários SiHings. A Fernanda também foi para ver a aula, mas ficou só sentada no cantinho, sem participar mesmo! =]

No começo fizemos o Siu Nim Do, com um SiHing fazendo uma pergunta para cada um. Na minha vez, quando o SiHing Paulo foi me fazer a pergunta, eu já sabia antes mesmo dele começar a falar qual seria. É que mais uma vez eu esqueci de fazer o mesmo movimento durante o Siu Nim Do. Preciso prestar mais atenção. O mais incrível é que este é o movimento que estamos usando frequentemente para os exercícios de mobilização, e quando treino em casa eu não esqueço dele!

Fizemos então mais uma vez os exercícios, e desta vez quem nos mobilizou foram todos SiHings "novos", ou seja, que nunca tinham feito o exercício conosco. E como a SiFu falou na sessão anterior, com cada pessoa o exercício vai ser diferente, cada um tem o seu jeito de fazer, sua força, sua energia. Era a primeira vez que o SiHing Paulo fazia o papel de mobilizador, e o nosso desafio era ainda maior, segundo a SiFu nós teríamos que mobilizar o mobilizador a nos mobilizar (nó no cérebro, alguém?)...

Ainda estou aperfeiçoando minha postura e o meu uso dos cotovelos, tomando o cuidado de não utilizar os ombros como gerador de força, mas algumas vezes fica complicado. O movimento mais natural até agora ainda é gerar a ação a partir dos ombros, mas isto não é o ideal porque cansa, pode machucar, desfaz a estrutura montada com o Yi Ji Kim Yeung Ma e ainda faz com que os cotovelos "abram", deixando o tronco desprotegido. Várias vezes eu paro o movimento logo depois de começar porque sinto que estou iniciando pelo ombro e quero evitar isto.

Apesar de a sessão inteira ter girado em torno deste exercício, no meio da sessão a SiFu introduziu um novo conceito para nós, que teríamos que utilizá-lo no exercício. No final, ao invés de projetar a energia para arremessar o oponente, deveríamos entrar em uma posição de guarda (a SiFu falou o nome algumas vezes, mas infelizmente não guardei). Esta posição coloca as duas mãos abertas, "em linha" à frente da pessoa.

Discutimos um pouco sobre o conceito de guarda, do porque desta guarda ser deste jeito ao contrário da guarda do boxe, por exemplo, que proteje bastante a cabeça e já deixa preparado para o golpe. No caso da guarda do Ving Tsun, não se protege nenhuma região tão especificamente quanto os outros exemplos que vimos, e o intuito é exatamente prover uma neutralidade. Uma vez que os braços e as mãos estão em uma posição neutra, central, é mais prático e rápido responder aos ataques acima, abaixo e aos lados do que se os tivéssemos totalmente para cima ou para baixo. As mãos retas e levemente à frente também são um meio-termo entre uma posição de ataque (soco, mão fechada e projetada para frente) e uma de defesa (mão espalmada e um pouco mais próximo do corpo).

Quando começamos a fazer o exercício com a guarda, o SiHing Paulo me deu uma informação para me orientar, mas que no final das contas acabou me gerando uma pré concepção de como deveria fazer o movimento. Quando a SiFu veio fazer um pouco o exercício comigo, e eu já tinha esta ideia na cabeça, numa primeira vez a coisa funcionou, mas na segunda ela inverteu o lado de onde a força dela vinha e, nas suas próprias palavras, a minha cabeça "deu tilt"! Eu travei o movimento e não sabia como sair dali para a posição final da guarda. Com base nisso a SiFu chamou todos para verem o nosso exercício e como eu estava tendo dificuldades em entrar na guarda uma vez que ela invertia o origem da força. Eu entendi o que estava acontecendo, mas não conseguia resolver a situação.

Isso gerou também uma discussão sobre estar preparado para pegar a informação que se está recebendo e trabalhar a partir dela. Que talvez não exista uma posição exata ou perfeita, mas sim a mais prática e mais proveitosa. No final das contas, numa situação de crise, o ideal é olhar em volta e agir de acordo. Não acreditar em somente uma verdade, mas aceitar outras verdades.

Terminada a sessão, voltamos para casa, tudo normal, etc. Então ontem à noite eu fui ver alguns videos no Netflix, e eles tem algumas séries de palestras do TED, e tem uma que eu gosto de ver que se chama "Rindo com inteligência". São palestras diversas, sobre temas nem sempre "sérios" ou "tecnológicos", algumas somente para fazer rir, outras com alguns pontos mais interessantes. E aí eu assisti a uma de 2002 que tinha muito a ver com o que eu tinha visto na sessão de quarta! É uma palestra da Emily Levine, sobre a "teoria do tudo". Segundo o seu perfil no TED, ela é uma "comediante-filósofa".

O video está abaixo, quem quiser gastar uns 20 minutos com ele é só clicar no botão do play. Tem legendas em português, para quem quiser também.



E quem quiser o link, é esse aqui.

Mas o que isso tem a ver com o kung fu, ou com a sessão de quarta-feira? Vamos lá...

Ela começa a palestra falando como começou no humor, participando de "jogos teatrais", que são jogos de improvisação onde uma pessoa dá uma ideia e os participantes precisam improvisar a partir daquilo. Ela diz que existe apenas uma regra para este jogo, que diz que você não pode negar a realidade do outro, você deve sempre construir a partir daquilo. Por mais que isto gere uma contradição, que vá contra os conceitos que você tem, você não deve rejeitar o que o outro jogador lhe oferece, você deve aceitar aquela "verdade" e trabalhar a partir dela.

Isso já me remeteu ao exercício da guarda, quando a SiFu inverteu a origem da sua força e por alguns momentos eu não aceitei aquilo, inclusive teve uma vez em que eu precisei fazer um movimento muito mais complexo para atingir o que na minha concepção seria o meu objetivo. Tivesse aceitado que o estímulo mudou e me ajustado para agir de acordo com aquela "nova verdade", talvez fosse mais fácil finalizar o movimento e entrar na posição de guarda.

Em seguida ela começa a falar sobre discussões, argumentos, onde uma pessoa tem sempre que ter a razão. Que as discussões são sempre baseadas nos valores dos envolvidos. E que na ciência newtoniana existe um conceito de objetividade, onde o sujeito deve sempre subjugar o objeto. Conceitos de assertividade, voz ativa e voz passiva.

Isso tem a ver com o conflito, a guerra, que é o ponto de partida do nosso estudo do Ving Tsun, como reagir em uma situação de crise. Se você está na posição do subjugado, como fazer para sair desta posição, para conseguir uma vantagem? Como aceitar a verdade apresentada pelo seu agressor e construir a partir dela?

Ela também fala sobre o "heckler", muito comum nas apresentações de stand-up comedy nos EUA, que é o sujeito que fica instigando o comediante, tentando atrapalhar sua apresentação, etc. Ele muitas vezes, na intenção de atrapalhar o espetáculo, fornece novas informações, ou novas "verdades" para o comediante, e este vai continuar sua apresentação levando aquilo em consideração. Se o comediante não aceitar aquela informação, se ele tentar a todo custo seguir o seu roteiro pré concebido, pode até chegar ao seu objetivo, mas vai ser muito mais difícil do que se ele der um "cala-boca" no heckler, para delírio da platéia!

Este é um pouco do papel do mobilizador, claro que não nas mesmas proporções, mas o mobilizador precisa de alguma forma guiar o aluno durante o exercício, fornecendo estímulos para que seja possível executar o exercício ou a tarefa proposta.

Em outro momento da palestra ela aborda mais uma vez a ciência newtoniana, dizendo que nela a matéria tem entre seus atributos a ocupação de espaço e a impermeabilidade, o que me remeteu também à guarda que vimos na sessão. Ocupar espaço e não permitir que outro corpo invada este espaço. Esta deve ser a função de uma guarda, proteger o seu espaço.

Uma grande parte da palestra, do meio para o final, é baseada em um livro que ela disse ter lido, chamado "Trickster Makes This World" (traduzido na legenda como "O Ardiloso Faz O Mundo"), de Lewis Hyde. Lendo este livro ela diz ter encontrado a definição para o seu formato de humor. O "trickster", segundo a palestrante, é um agente de mudança. Um provocador, um "heckler", um mobilizador. E ela começa a listar algumas qualidades do "trickster":

1. Atravessar fronteiras
No caso dela, isso quer dizer "se meter" em assuntos que não domina. Eu vejo isso, no Ving Tsun, como sobrepor dificuldades. Quando ela fala sobre assuntos que não conhece, traz um novo ponto de vista. É o papel do mobilizador, colocando novos elementos para provocar reações, como a SiFu trocando a origem da energia no nosso exercício.
2. Estratégias não oposicionistas
De novo o conceito e aceitar a realidade do outro. Um paradoxo onde se permite que mais de uma realidade coexistam. Devemos aceitar que os coisas mudaram e agir de acordo com as novas circunstâncias.
3. Sorte/Acaso
A figura do "trickster" tem sua mente sempre preparada para o inesperado, tem a habilidade de deixar a mente leve, aberta a novas ideias, ou para ver as contradições e os problemas nessas ideias.
4. Andar na corda bamba/ter desenvoltura
Ela diz que um grande desafio é construir sua apresentação de forma que seja preparada e não-preparada, achar um equilíbrio entre os dois.
Estar muito preparado pode não deixar espaço para os acidentes. E nada nunca vai ser 100% como se espera, sempre vai acontecer alguma coisa, aparecer uma nova informação, que nos fará repensar uma estratégia e reagir àquilo.

Ela diz ainda que procura, em suas apresentações, causar um "curto-circuito" no pensamento das pessoas, fazer com que não sigam a sua linha de associação normal, mas a partir de novos estímulos se reconectar. 

E bem no final da palestra ela levanta uma quinta qualidade do "trickster", que diz respeito a alcançar a beleza (ou a perfeição). O "trickster" pode tenter à beleza, mas para isso tem que se desfazer de todas as outras qualidades. Uma vez que você se aproxima da beleza, entra em um estado finalizado. Mas se deixar que os acidentes aconteçam é possível entrar em uma sintonia, uma onda de probabilidades. Quando se alcança a beleza/perfeição, essa onda de probabilidades desmorona e se transforma em apenas uma possibilidade, em uma verdade.

Então, no final das contas, se não tivesse passado pelas experiências da sessão de quarta, teria visto esse vídeo com outros olhos, e talvez ele nem me interessasse tanto, mas com as novas informações recebidas, foi bem diferente...

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